Saudades de Zélia Gattai

Paloma Amado

Saudades de Zélia Gattai

Hoje, faz exatamente um ano que Zélia Gattai já não está mais entre nós. Para tanto, é importante e imprescindível destacar um pouco do perfil intelectual da escritora, uma mulher sensível, de fibra, politizada, uma mãe a frente da sua época. Considerada um dos grandes nomes da Literatura Brasileira, ao transcorrer pela trajetória da escritora, é possível compreender que se trata de um ser humano senciente (ser que possui sentimento aliado a consciência) que passou por esse mundo contemporâneo e traçou seu caminho de uma forma marcante original. A memorialista (como Zélia gostava de ser intitulada) ítalo-baiana morreu no dia 17 de maio de 2008 e deixou um sonho inacabado: a criação do memorial dedicado a Jorge Amado na casa do Bairro Rio Vermelho em Salvador. A realização desse sonho é uma questão de missão para os dois filhos do casal, Paloma Amado e James Amado que já iniciaram o projeto.

 

Michelle Marie – Qual a melhor recordação que você tem de sua mãe?

Paloma Amado - Eu acho que o que eu guardo de melhor da minha mãe não é um fato e sim a maneira dela ser. O que mais me marcou em minha mãe é que ela era uma pessoa que traçava seus objetivos, lutava por eles e sempre conquistava. Ela era uma pessoa vitoriosa.

M.M – Sua mãe tinha muitas manias?

P.A - Ela tinha várias manias e como ela era apaixonada pelos cachorros dela, uma das manias era alimentar os cachorros ao mesmo tempo em que ela comia. Ela já velhinha, doente, o médico pedia para ela ficar em repouso, mas mesmo assim ela vivia se abaixando para alimentar os cachorros.

M.M – O seus pais mais gostava de fazer nas horas vagas?

P.A - Mamãe e papai formavam um casal bem ativo. Eles saiam muito, iam para vários eventos sociais, culturais e tinham muitos amigos. Como ela já estava bem velhinha, tinha as limitações da idade. Mas ela costumava gostar de coisas bem normais. Ela adorava assistir novelas, discutir e comentar. Quando minha filha trabalhou em uma novela da rede globo, ela ficou felicíssima porque ela ficava sabendo de tudo que ia acontecer com os personagens. Daí ela se divertia contando para os outros e com isso ela ficava muito alegre porque já sabia o que de fato ia acontecer, detalhe que a maioria não sabia. Até o ultimo ano de vida ela manteve o hábito de ler todos os jornais se mantendo bem informada sobre os fatos e acontecimentos. Aos domingos eles costumavam fazer as domingueiras reunindo os amigos em momentos de descontração. Ela também adorava empurrar comida nos outros. Na semana que ela morreu eu fiz a domingueira em homenagem a ela.

M.M – Como era sua relação com sua mãe?

P.A - Uma relação de muita intimidade, amizade e muito debate sobre as coisas. Quando eu tinha 15 anos, num certo dia, em plena ditadura militar eu disse a minha mãe: “eu vou participar da passeata com os colegas da escola”. Com isso deixei bem claro que eu iria de qualquer jeito. Para minha surpresa, ela me respondeu assim: que ótimo, eu vou também! E ela não foi para tomar conta de mim, ela foi para tomar conta de todos e para protestar também. Eu ainda guardo aquela imagem da minha mãe, em plena Avenida Sete, em cima de umas pedras, agarrada num poste, dizendo para os meninos: fiquem calmos, não fiquem afobados que a polícia ainda não chegou.

M.M – Ela teve algum sonho inacabado?

P.A - Ela sonhava em transformar a casa do Rio vermelho em um memorial pro papai. Não conseguimos o apoio do governo nem de empresa privada . E ela dizia que não morreria sem inaugurar o memorial, mas infelizmente não foi possível. Foi quando vendemos uma parte da coleção de obras de artes dele para dar início ao processo de restauração da casa. Acredito que antes do final do ano teremos o prazer de realizar uma exposição em homenagem aos meus pais na casa. Ela queria muito essa conquista e certeza que onde eles vão ver a casa do jeito que mamãe sonhava, com toda a coleção dentro.

M.M – O que significa ser filha de Zélia Gattai e Jorge Amado?

P.A - Vou dizer a você o que significa ser filha de Jorge Amado e Zélia Gattai. A primeira palavra é privilégio, pois me sinto privilegiada por ser filha deles, por ter sido educada por eles e ter dentro de mim valores morais e emocionais. A outra palavra seria Responsabilidade, ser filha deles exige muita responsabilidade para manter viva a obra deles.

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Michelle Marie